Carla Tieppo, neurocientista e especialista em liderança, e Thomas Brieu, pesquisador e professor de escutatória, destacam o papel da gestão para a construção de equipes criativas e de alta performance

Por Agência CNT Transporte Atual
03/10/202311h01

Os estudos atuais sobre o comportamento humano permitem fazer importantes descobertas sobre o processo de desenvolvimento da humanidade. Essas análises formam o aspecto central das discussões sobre as novas necessidades advindas da gestão da tecnologia e da interação entre inteligência humana e artificial. É fundamental que as lideranças da atualidade entendam os processos do cérebro humano para fomentar o pensamento crítico e desenvolver o mindset de inovação em suas equipes.

Como explica Carla Tieppo, neurocientista e especialista em liderança, erroneamente as pessoas acreditam que seu poder de decisão é maior quando possuem uma grande quantidade de dados sobre determinada situação. No entanto, o grande volume de informações aumenta a análise pessoal dos seres humanos, uma vez que suas percepções também são fortemente impactadas pelos diversos vieses pessoais, pré-estabelecidos e vinculados a padrões de comportamento. “Se você é um líder, precisa entender que está sujeito a isso”, destaca a especialista.

Segundo Carla, existem quatro vieses estruturantes do comportamento humano: de afinidade; de percepção; confirmatório; e efeito de grupo (ver ao final do texto). A partir deles, são formados outros 256 vieses diferentes. Essas características são usadas pelo cérebro para reduzir a quantidade de informações a partir de filtros pré-estabelecidos; atribuir significado ao correlacionar determinada situação a algo que já é conhecido ou padronizado; usar soluções já consagradas e seguras (manter o que já foi testado); e guardar o que tem relevância emocional e que ocorre com maior frequência. “A grande oportunidade de promover a disrupção no seu negócio e achar caminhos novos está em romper com esse ciclo e ouvir as pessoas que pensam diferente de você. Mas o primeiro movimento precisa ser feito pela liderança”, pondera.

“A liderança humanizada não diz respeito a afeto; diz respeito a liderar seres humanos, compreender as potências humanas e trazê-las para o jogo. Ao invés de deixar as pessoas colocarem seu melhor talento na rede social, no videogame, na série de streaming e no churrasco com os amigos, porque é lá que está a energia delas, é preciso trazer a energia das pessoas de novo para o jogo através de propósito, engajamento, storytelling. É entender realmente que o processo de validação da prática, o processo cotidiano de valências a respeito do que elas estão fazendo, é crucial para que mudem o comportamento. Isso parte da liderança, não tem como vir de baixo, porque as pessoas estão fazendo exatamente o que foi pedido”, explica Carla Tieppo.

Para a especialista, é preciso que as lideranças atualizem seus padrões de comportamento — para, então, os validar — e entendam que os liderados não querem mais ser colocados em caixas pré-definidas. “A diversidade não tem a ver apenas com justiça social e com a responsabilidade de ESG das empresas. A diversidade traz diversidade cognitiva, diversidade de ideias. Você precisa fomentar isso para poder “disruptar”. Você precisa de gente que pense diferente, gente que venha de cargos e indústrias diferentes, com visões diferentes. Com idade diferente, gênero diferente, origem diferente, afirmação sexual diferente. Porque essas pessoas viveram situações diferentes e, por isso, têm padrões diferentes”, pontua Carla Tieppo.

A neurocientista reforça, ainda, a importância de as lideranças escutarem mais, entenderem o outro e trabalharem com a cultura do erro, com a diversidade e com questões (e pessoas) tidas como difíceis (por não estarem dentro de padrões) para o desenvolvimento da inovação e o crescimento dos negócios. “As pessoas não estão quebrando à toa; elas estão quebrando porque é muito difícil navegar nesse mar de incertezas em que estamos vivendo. E não é razão para um lado e emoção para o outro. É razão e emoção para a mesma direção”, conclui.

Comunicação e escutatória

Sobre o fato de utilizar a comunicação para extrair o melhor das pessoas, Thomas Brieu, pesquisador e professor de escutatória, ressalta que o primeiro passo para a escutatória ativa deve partir da liderança. Com o mundo em crescente aceleração, a tendência das pessoas é reclamar da falta de tempo para escutar o outro. No entanto, o desenvolvimento de negócios perenes não depende apenas da inclusão de novas tecnologias, é preciso que a gestão promova o trabalho e a integração entre as equipes, e isso só é possível se o ato de escutar for uma característica inerente à liderança humanizada.

“Quem ouve plenamente e ainda dá a prova da sua escuta é quem será diferenciado”, destaca Thomas Brieu. Citando Yuval Noah Harari — professor israelense e autor do best-seller internacional Sapiens: Uma breve história da humanidade —, o especialista pontua que “as pessoas florescem quando recebem atenção”. Nesse sentido, a liderança que saiba fazer com que o outro se sinta escutado tem uma grande vantagem em termos de crescimento, engajamento e inovação.

Em tempos de comunicação remota, é preciso que as lideranças entendam que a comunicação não verbal, parte importante do processo comunicativo, não é uma característica inerente aos diálogos virtuais. Como explica Thomas Brieu, o grande problema está em se expressar em um email ou em uma mensagem instantânea da mesma forma como se estivesse falando olho no olho. “A comunicação efetiva e afetiva vem de saber verbalizar em palavras o que o corpo deixa de expressar”, destaca. É esse diferencial que fará com que o outro deixe de interpretar a sua mensagem a partir de situações pré-estabelecidas que viveu naquele dia.

Thomas Brieu ainda dá a dica: utilizar perguntas abertas — tais como “o que houve?”, “o que aconteceu?” — evita que a liderança tire qualquer conclusão precipitadamente, favorecendo o diálogo. “A pergunta aberta faz o outro subir ao palco e eu o convido a me contar uma história”, reforça.

“Nós, o tempo todo, silenciamos as pessoas à nossa volta”, destaca o professor, ao afirmar que muitas vezes os indivíduos têm medo ou preguiça de falar com determinados líderes pelos padrões de comportamento, escuta e respostas que utilizam. Para Thomas Brieu, é preciso que as lideranças façam o exercício de inverter a lógica das conversas atuais — fazer 80% de perguntas fechadas e somente 20% de perguntas abertas —, investindo cada vez mais em perguntas abertas e que busquem respostas também abertas. Somente assim o diálogo efetivo será estabelecido.

O especialista destaca, ainda, que as lideranças precisam tratar as pessoas como elas gostam de ser tratadas, e não como o emissor da mensagem entende ser melhor tratá-las. Mas, para isso, é preciso que os gestores tenham coragem de perguntar aos seus liderados como eles gostam de ser tratados. “Eu posso me responsabilizar pelo impacto da minha comunicação no outro. Mas não posso responsabilizar o outro pelo impacto da comunicação dele em mim”, destaca Thomas Brieu.

Executive Program

Carla Tieppo e Thomas Brieu marcaram o segundo dia do Executive Program SEST SENAT, evento realizado em São Paulo, em parceria com a Singularity University Brazil — empresa estadunidense que oferece programas de educação executiva, incubadora de empresas e serviços de consultoria empresarial. O evento reúne, até a próxima quarta-feira (4), em Embu das Artes, um grupo de 80 executivos do Sistema Transporte.

Conheça os vieses da percepção humana

  1. Viés de afinidade: as pessoas avaliam de forma positiva aqueles que se parecem com elas.
  2. Viés de percepção: os indivíduos procuram dados e indicativos que reforçam sua opinião e não dão a devida atenção para dados que são divergentes a ela.
  3. Viés confirmatório: as pessoas buscam validação sobre o que fazem.
  4. Efeito de grupo: os indivíduos têm a tendência de adotar o comportamento padrão vigente do grupo ao qual pertencem.

https://www.cnt.org.br/agencia-cnt/executive-program-liderana-inspiradora-e-escuta-ativa-so-a-base-para-a-mudana-e-a-inovao

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