
VLI e Vale iniciaram estudos para o uso de combustíveis alternativos ao diesel
Atingir o patamar de zero emissão no transporte de cargas vem sendo uma tarefa hercúlea, porém inexorável na ferrovia. A realidade é que ainda não existe uma solução mágica capaz de substituir por completo as potentes locomotivas a diesel. A única certeza até o momento é que há pouca (ou nenhuma) viabilidade para essa conversão apenas com máquinas movidas a bateria – já existentes e utilizadas em modelos híbridos de composições. Mas há estudos em andamento. No Brasil, Vale e VLI iniciaram uma “corrida” para encontrar respostas para a descarbonização total de suas operações.
A VLI firmou uma parceria com o Birmingham Centre for Railway Research & Education (BCRRE), da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, para o desenvolvimento de um estudo de viabilidade para a conversão de locomotivas diesel-elétricas em máquinas movidas a células de hidrogênio. O acordo consiste no envio de uma série de dados da operadora para o centro de pesquisa, com o objetivo de alimentar simuladores desenvolvidos e operados pelo próprio BCRRE. A VLI compartilhou informações técnicas e características de sua frota de material rodante, perfil de trechos, quantidade de vagões em trens-tipo por fluxo, entre outros dados.
O estudo ainda está em fase preliminar. No entanto, análises iniciais indicam que é possível substituir o diesel pelo hidrogênio no transporte de carga na ferrovia, pontua o gerente-geral de Engenharia de Desenvolvimento e Tecnologia Operacional da VLI, Cesar Toniolo, que está à frente da parceria com o BCRRE. “Independentemente do resultado preliminar, serão necessários estudos complementares e novas simulações. A partir dessas simulações, esperamos entender que tipos de locomotivas estão aptas para essa transformação e se isso é viável para todos os nossos trens-tipo”, complementa ele.
Na Ferrovia Norte-Sul, a operação hoje é feita no formato tricotrol (com três blocos de locomotivas diesel-elétricas, cada um com 80 vagões e uma locomotiva). Nos corredores da Ferrovia Centro-Atlântica (Leste e Sudeste), as composições podem ser formadas por cinco locomotivas e 90 vagões ou duas locomotivas e 84 vagões.
O fato de o hidrogênio já ser utilizado no segmento ferroviário de passageiros contribuiu para que a VLI começasse os estudos de descarbonização da frota por esse tipo de combustível. Em meados do ano passado, a pequena cidade de Bremervörde, perto de Hamburgo, na Alemanha, foi o primeiro lugar do mundo a operar com uma frota 100% movida a hidrogênio, do modelo Coradia iLint, da Alstom. Logo depois, Siemens, a chinesa CRRC e a coreana Hyundai-Rotem lançaram seus modelos. Segundo Toniolo, a célula de combustível a hidrogênio homologada para a pesquisa na universidade inglesa é a mesma utilizada e testada nas ferrovias de passageiros da Europa atualmente.
“Estamos aproveitando a expertise e o cenário um pouco mais avançado com esse tipo de combustível. Usamos o mesmo conceito e solução de célula que já existe, para conseguirmos acelerar os resultados. Sem contar que começamos a perceber uma movimentação forte no mercado e na indústria ferroviária em torno do hidrogênio”, explica o gerente.
A expectativa é que até o fim do ano as primeiras conclusões desse estudo sejam conhecidas. Os próximos passos serão definidos a partir disso. A ideia, a princípio, é incluir os fabricantes de locomotivas e outros players nesse debate, para que também possam opinar sobre os resultados e discutir questões técnicas. “Isso feito, vamos poder avaliar a viabilidade de produzir algumas máquinas testes, algum tipo de piloto. Não sabemos quando isso vai acontecer, mas é algo que vamos analisar para a próxima etapa”.
Toniolo entende que a transição energética é uma jornada de longo prazo – para ele, deverá ser concretizada num horizonte maior do que 10 anos –, considerando os desafios existentes na cadeia de suprimentos, produção, armazenagem e distribuição de hidrogênio verde no Brasil. A intenção com o estudo é entender as alternativas existentes e “estar um passo à frente quando as soluções se materializarem no país”. “Para que tudo aconteça daqui a alguns anos, é preciso se movimentar agora”, reforça.
Na visão do gerente da VLI, a eletrificação (por meio de máquinas movidas 100% a bateria) ainda não é a solução adequada para longas distâncias e altos volumes na ferrovia. O grande desafio é a autonomia dessas máquinas. No Brasil, esse tipo de locomotiva já opera em casos específicos na Vale (primeira a adquirir modelos a bateria da Progress Rail e da CRRC e recentemente, da Wabtec), como em manobras ou acopladas a outras locomotivas a diesel na linha. “Existem máquinas elétricas que teoricamente são vocacionadas para o transporte de carga geral, mas certamente não é a solução em que a gente acredita”, diz.

O estudo visando a conversão de locomotivas a diesel por a hidrogênio não está atrelado às discussões em tor no da renovação antecipada do contrato de concessão da FCA, afirma Toniolo. O plano de negócios, analisado atualmente pela ANTT e ministério dos Transportes, prevê a modernização da frota da operadora, composta por 686 locomotivas, sendo mais da metade delas oriunda das décadas de 1950 a 1980. “São dois pontos que caminham em paralelo. O estudo tem um horizonte longo de tempo, já as tratativas para a renovação estão em curso agora. Esse descasamento temporal das iniciativas não vai causar impacto no curto prazo”.
Meta até 2030
Em 2020, a VLI estipulou a meta de redução de 15% nas emissões de gases de efeito estufa em dez anos. Em 2030, portanto, a companhia pretende registrar um volume menor do que os 556.138 toneladas de CO2 emitidos em 2022 com a movimentação de trens em suas malhas.

Para isso, a companhia colocou em prática ações que visam a melhoria do consumo de combustível, a redução de emissões e a transição energética.
A iniciativa está dividida em três pilares. O primeiro diz respeito à gestão de ativos, ou seja, a melhoria das condições da via e de manutenção de vagões e locomotivas para obter ganhos não só em produtividade, mas também no consumo de diesel. Segundo Toniolo, de 2018 a 2022 foram investidos R$ 3 bilhões em planos mais eficientes de manutenção da via e de material rodante. “Uma melhor fluidez de rolamento das rodas de nossos vagões e um contato roda-trilho mais eficiente podem gerar menos esforço do trem e por consequência menos uso de combustível”, explica.
O segundo pilar está ligado à inovação e tecnologia. A ideia é buscar novidades na indústria ferroviária voltadas para a otimização do consumo de diesel, redução de emissões e também incentivar programas internos de empreendedorismo. A partir desses programas, foi desenvolvida a ferramenta Fuelytics, que em três anos, auxiliou na redução de 2,6 milhões de litros de combustível pela companhia.
“Essa ferramenta permite que a gente correlacione mais de 20 variáveis, de tal maneira a cruzá-las por meio de algoritmos, para entender o que afeta o consumo de diesel. São tantas variáveis que impactam esse consumo, como tempo do vagão na via, a carga, a condução do maquinista, a condição climática, que fica difícil entender o ponto exato onde devemos melhorar. Com essa ferramenta isso se tornou possível”, explica Toniolo.
Outro programa é o Leader, também desenvolvido “dentro de casa”, de acordo com o gerente. Trata-se de um assistente de condução semi autônoma para os trens, que já está instalado em cerca de 200 locomotivas, desde o segundo semestre do ano passado. “É como se fosse o piloto automático do carro. O maquinista o aciona em determinado momento da viagem, normalmente quando o trem assume velocidade superior a 8 km/hora, daí grande parte da condução é feita pelo equipamento”. A VLI estima a economia de combustível com o software em 7% nos corredores Leste e Sudeste e de 3,5% no corredor Norte até 2024.
Já o terceiro pilar está relacionado à transição energética, onde o estudo em parceria com a universidade inglesa se encaixa. “Temos feito sessões com clientes para discutir essas questões de eficiência, porque isso gera valor para eles também, a redução de emissões na cadeira deles passa pela redução na ferrovia”.
Amônia nos motores
A Vale firmou recentemente uma parceria com a Wabtec para estudar o desenvolvimento de um motor de locomotiva movido a amônia. O combustível foi escolhido para esse estudo porque, segundo a mineradora, tem capacidade de promover uma autonomia superior em relação ao desempenho de outros tipos de produtos que também não emitem gás carbônico. “Além disso, a amônia apresenta uma classificação de alta octanagem e uma infraestrutura de distribuição em larga escala já estabelecida”, reforçou a Vale.
A parceria demonstra uma mudança de rota tecnológica da empresa, que assumiu o compromisso de reduzir suas emissões de carbono em 33% até 2030 e de chegar a zero até 2050. Se antes a Vale apostava na descarbonização completa por meio da eletrificação do transporte de carga (tanto de trens quanto de caminhões), agora essa alternativa vem ficando em segundo plano, embora não tenha sido deixada de lado.
Na mesma época do anúncio da parceria com a Wabtec, a Vale também divulgou a compra de três locomotivas 100% a bateria da fabricante, do modelo FLXdrive, para circularem na Estrada de Ferro Carajás (EFC). As máquinas, com previsão de entrega em 2026, serão acopladas em composições a diesel num trecho onde há aclive de cerca de 140 km, em Açailândia (MA) e, portanto, o consumo de combustível é mais elevado. A ideia é formar uma composição híbrida, para conseguir substituir de maneira mais verde os equipamentos a diesel hoje utilizados para vencer essa rampa: os helpers dinâmicos.
A Vale já vem estudando a eletrificação de sua frota há algum tempo. Em 2020, adquiriu o modelo EMD Joule da Progress Rail, inicialmente para atuar em operações de manobra na Estrada de Ferro Vitória a Minas. Meses depois, anunciou a compra de uma locomotiva 100% a bateria da chinesa CRRC, também para manobras na EFC.
As dificuldades no processo de eletrificação passam não só pela falta de autonomia das baterias em operações na linha, mas também pela incapacidade de substituírem locomotivas a diesel no carregamento de milhares de toneladas de carga. Na EFC, por exemplo, circulam trens de 330 vagões, que transportam 45 mil toneladas de minério de ferro. Além disso, há o fator logístico: a Vale entende que é financeiramente inviável criar pontos de recarregamento das baterias, ainda mais nas regiões onde a mineradora atua, que são mal supridas de energia elétrica.
A aposta da Vale na descarbonização completa de suas operações ferroviária está, portanto, na amônia.
Os estudos em parceria com a Wabtec serão realizados em laboratório nos próximos dois anos. Questionada sobre os avanços nas pesquisas, a mineradora respondeu em nota que não há ainda atualizações sobre o tema. Hoje, a malha ferroviária da Vale representa 10% das emissões de carbono da empresa. Nos próximos anos, a companhia planeja investir US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões para reduzir suas emissões diretas e indiretas.
